O QUE O CONGRESSO BRASILEIRO APROVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA?

Eduardo Lazzari, Marta Arretche, Rodrigo Mahlmeister

Os parlamentares brasileiros são extremamente ativos na proposição de medidas de mudança da legislação tributária. Foram 4.841 projetos, MPs ou PECs submetidas à Câmara dos Deputados, de 1989 a 2020. Mas apenas 5% dessas quase 5 mil proposições foram progressivas, ou seja, tiveram como objetivo reduzir a desigualdade de renda, por meio de maior tributação das camadas mais ricas. Nada menos do que 67,2% das propostas dos deputados criavam deduções ou isenções do imposto de renda, do IPI ou regimes especiais para beneficiar grupos específicos, aumentando a regressividade.

Isso significa que, de cada 100 proposições de deputados com mudanças tributárias no país, 67 buscaram beneficiar algum grupo, contribuindo para ampliar a desigualdade em vez de reduzi-la. Sob a democracia, o Brasil desenhou um modelo de inclusão social prevendo apenas o aumento do gasto público, mas sem incluir a progressividade da tributação. Ao aumentar a regressividade, há uma transferência de renda das camadas mais pobres para as mais ricas. As principais razões desse aumento da desigualdade via tributos são:

1.       Alta dependência de tributos sobre mercadorias e serviços. Quando um sistema tem alíquotas iguais para contribuintes com rendas diferentes, os mais pobres pagam mais, como percentual de sua renda, do que os mais ricos. A carga tributária teve, na última década, cerca 30% de sua receita advinda destes tributos, segundo a Receita Federal. Nos países da OCDE, a média é de 10%.

2.       Baixíssima incidência de tributos sobre a propriedade. Só 5% da arrecadação vêm de tributos sobre carros, transferências de patrimônio, doações, propriedade urbana e rural. A propriedade de bens é muito pouco taxada no Brasil, comparativamente.

3.       Baixa importância da tributação sobre a renda, com tratamento privilegiado para rendimentos de capital, em comparação aos países desenvolvidos ou de nível de desenvolvimento semelhante ao do Brasil. O imposto no Brasil é menor quanto maior é o rendimento do capital. Alienação de imóveis, ganhos com ativos financeiros e lucros são comparativamente menos taxados.

4.       Incentivos e brechas para converter altos salários em rendimentos de capital, com menor cobrança sobre Pessoas Jurídicas. Acionistas, profissionais liberais e prestadores de serviços são isentos (como pessoa física) dos dividendos obtidos de suas respectivas pessoas jurídicas.

Apenas 247 das 4.841 proposições legislativas em tributação (5%), de 1989 a 2020, foram progressivas. A correção da tabela do IRPF representou quase metade (2%). Isso mostra que a regressividade do sistema brasileiro deriva em grande parte da falta de propostas distributivistas. No mesmo período, 80% das proposições para o salário-mínimo foram no sentido de reduzir a desigualdade e a pobreza, o que mostra que os parlamentares brasileiros só pensam a redução da desigualdade via salário, aumento de gastos, não via tributação.

Embora os partidos de esquerda apresentem um percentual de propostas de tributação progressiva ligeiramente superior aos demais, praticamente todas as legendas, de todos os matizes ideológicos, priorizam, em suas proposições tributárias, benefícios a grupos em vez de taxar mais os mais ricos. Entre os parlamentares de esquerda, 64,09% das proposições tributárias foram para esses benefícios. Os de direita chegam a 69,93%; os de centro a 70,32%.

Contrariando as expectativas, o governo Bolsonaro submeteu uma proposta progressiva de reforma tributária ao Congresso, mas sua tramitação foi um fracasso, e a própria base governista propugnou pela derrocada. O PL 2337/2021 propunha elevar a faixa de isenção do IRPF de R$ 1.903,98 para R$ 2.500,00, entre outras propostas com objetivo progressivo. A pressão de entidades de classe e grupos de interesse inviabilizou parte fundamental da proposta, a revogação da isenção de lucros e dividendos: 120 associações empresariais se posicionaram contrárias. Os ganhos redistributivos da versão final aprovada na Câmara são minúsculos: uma redução da desigualdade de renda em apenas 0,2 pontos percentuais.

A relutância do Legislativo brasileiro, contrário à progressividade tributária, destoa da tendência no continente americano. Mudanças progressivas importantes foram aprovadas por Argentina, Bolívia, Uruguai, Colômbia, México e Chile. Nos Estados Unidos, no início de seu governo, Joe Biden anunciou um ambicioso plano de infraestrutura financiado por aumento de impostos sobre empresas, revertendo parte das mudanças regressivas instituídas por Ronald Reagan, George W. Bush e Donald Trump.

A pandemia deixou claro o peso da tributação progressiva no combate aos seus efeitos, como no fortalecimento das condições socioeconômicas de grupos vulneráveis na Argentina, Bolívia, Espanha, Nova Zelândia, Bélgica, Coreia do Sul e Ilhas Maurício, entre outros. A janela de oportunidade para a tributação progressiva é internacional. O mundo buscou novas fontes de receitas para financiar a mitigação das novas vulnerabilidades, e a discussão sobre política tributária progressiva ganhou centralidade na agenda dos países.

Houve negociações no G7 para aumentar a tributação sobre multinacionais onde elas operam, não só onde afirmam ter sede fiscal. A Bélgica introduziu cobrança sobre depósitos bancários acima de um milhão de euros. A Coréia do Sul criou uma faixa em seu imposto de renda para quem declara mais de um bilhão em valores da moeda local, aumentou a alíquota marginal máxima de 42% para 45% e elevou o imposto sobre imóveis. Os Países Baixos também elevaram a alíquota de imposto de renda, e a Nova Zelândia estabeleceu um novo imposto sobre rendas no topo da distribuição, enquanto a Espanha aumentou a cobrança de seu imposto sobre patrimônio de 2,5% para 3,5%, para contribuintes que ganham acima de 10,695 milhões de euros. As Ilhas Maurício criaram uma “taxa solidária” para aqueles cuja renda tributável supera três milhões em moeda local. Também no Brasil houve esporadicamente, em 2020, aumento de proposições progressivas na Câmara devido à eclosão da pandemia.

Veja a nota técnica em anexo:

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